A carta-testamento
Detetive sempre encontra um bom motivo para manifestar o seu lado criativo. Quando não está complicando a vida de alguém, bisbilhotando aqui e acolá, está descobrindo fatos pitorescos. É o caso do José Valdeci Teixeira da Silva, detetive particular e homem espirituoso.
Xeretando por aí, o impoluto Valdeci Teixeira encontrou, e me passou com mil recomendações, a missiva que vai abaixo transcrita, e que foi achada no bolso de um infeliz suicida.
Realmente, é pro cara morrer doido varrido, depois de passar pelo que passou a tal vítima (vamos chamá-la de Asnóbio), que teve a desdita de casar com uma viúva que já tinha uma filha.
Aí começa a narrativa do extinto:
“Doutor, se eu soubesse que a mulher com quem me casei tinha essa filha tão desmiolada, eu jamais teria feito a besteira de ter me casado com ela. Para maior desgraça minha, sabe o que ela fez? Pegou o meu pai, que além de safado era viúvo, e casou com ele! Então, minha mulher tornou-se sogra do meu pai. Em conseqüência disso, minha enteada ficou sendo minha mãe, e meu pai, ao mesmo tempo, meu genro. Não é de lascar?!
Até aí, doutor, tudo médio. Acontece que alguns anos depois, minha enteada deu à luz um menino que veio a ser meu irmão. Com o decorrer do tempo, minha mulher também teve um filho meu que, como irmão de minha mãe, passou a ser cunhado do meu pai e meu tio. Minha mulher, então, ficou sendo nora de sua própria filha.
Eu, senhor delegado, nessa confusão toda, fiquei sendo pai de minha mãe, tornando-me, ao mesmo tempo, irmão do meu neto e do meu próprio filho. Minha mulher ficou sendo minha avó, já que é mãe de minha mãe, e eu virei avô do meu irmão, já que sou sogro do meu pai, entendeu? E como se não bastasse, agora sou avô de mim mesmo...
De modo que, antes que as coisas complicassem mais ainda, desisti de viver.
Grande abraço,
Asnóbio.”